Porque não damos ouvidos a Herculano Pires?

Herculano Pires foi o melhor tradutor da obra de Allan Kardec. Foi também o que mais entendeu a doutrina original, sendo seu maior defensor. Tinha uma relação de amizade com integrantes da FEB e com Chico Xavier, mas discordava completamente da prática e da ideologia destes. 

Discordava tanto que chamou a religião liderada por Xavier de "seita de papalvos" (papalvo=ingênuo), por causa da bagunça doutrinária instaurada dentro da versão brasileira da doutrina.

Mesmo assim, Herculano sempre se mostrou um homem sério, sem um único arranhão em sua trajetória. Claro que não era perfeito como ninguém também não é. Mas se errou, seus erros não conseguiram manchar a doutrina, do contrário de outras lideranças que não cessam de praticar erros e transformar o Espiritismo em um Parque de Diversões.

Herculano havia alertado sobre o charlatanismo de Divaldo Franco. Apesar de discordar de Xavier, referiu evitar polêmicas com este por causa de amizade e por este ser um ídolo da opinião pública na época. Mas quanto a Divaldo, Herculano decidiu se manifestar.

Herculano escreveu uma carta criticando o suposto médium baiano que hoje é tido como a maior liderança da doutrina (embora quem mande mesmo na doutrina seja quaisquer dos presidentes da FEB), inspirando uma confiança cega, quase fanática, nos admiradores de Franco. 

Curioso que a carta não gerou grande repercussão, permitindo que, após a morte de Chico Xavier (muito estranha por sinal), Divaldo pudesse se tornar o maior líder - na verdade um garoto -propaganda - do que os brasileiros conhecem como "Espiritismo", que nada tem a ver com a doutrina codificada por Allan Kardec.

Divaldo tem todas as características de um falso profeta. É do tipo que acha que tem respostas para todos os assuntos, gosta de falar bastante e de forma complexa, puxa o saco de intelectuais do passado e vive dizendo que a humanidade evoluiu muito no século XXI, o que fatos, através do ressurgente neo-conservadorismo, comprovam ser uma baita mentira.

Analise de livros e palestras de Divaldo Franco, todas com temas banais expostos de forma pomposa e semi-poética, o que consegue seduzir mentes mais ingênuas, sugerem que a alegada mediunidade do suposto médium pode ser uma farsa. O conteúdo atribuído a espíritos é o mesmo do que sai da mente do médium em palestras, quando ele está "fora do transe", falando por si.

Reproduzimos abaixo a carta de Herculano Pires, lamentando porque o suposto médium e falso profeta Divaldo franco não foi desmascarado na época, evitando que o farsante causasse mais estragos na já arruinada doutrina, cheia de contradições e absurdos. 

A caminho de sua extinção e perdendo cada vez mais fiéis (reduziu de 2% para 1,8% dos brasileiros), o "Espiritismo" virou uma coletânea de bobagens graças a falsos médiuns e lideranças que preferiram transformar a doutrina em uma mera igreja, para satisfazer suas convicções pessoais. 

Infelizmente, Herculano, homem sério que estava fora deste carnaval, não pode ser ouvido e muitas asneiras são consagradas como dogmas "espíritas" aceitos facilmente por quem não está disposto a estudar com detalhada dedicação as obras originais da codificação. Vamos à carta:

Carta endereçada ao jornalista Agnelo Morato

Por Herculano Pires

Você sabe que o Chico mudou-se de Pedro Leopoldo para Uberaba, arrancado ao seio da família e à cidadezinha do seu coração por força das manobras das Trevas através do seu pobre sobrinho. Lembra-se? E não se lembra que o tópico mais importante da carta do Chico ao Jô é aquele em que ele (Chico) afirma que são essas mesmas Trevas (a mesma falange) que está agora se servindo do Divaldo? Para que fim? Para que fim?!

Muito antes do “estouro” com o Chico eu já havia sido advertido espiritualmente a respeito do médium baiano. Durante meses evitei encontrar-me com ele, pois é sempre desagradável constatar uma situação mediúnica nessas condições. Quando me encontrei, tudo se confirmou. Não tenho, pois, nenhuma prevenção pessoal, nada particular contra ele. O que tenho é zelo, é prudência, é necessidade de por-me em guarda e evitar que os outros se entreguem de olhos fechados às manobras que infelizmente se desenvolvem através da palavra ilusória desse rapaz. Espero em Deus que ele (agora roustainguista confesso e novo ídolo da FEB) ainda encontre o seu momento de despertar, antes que esta encarnação se finde.

Do pouco que lhe revelei acima você deve notar que nada sobrou do médium que se possa aproveitar: conduta negativa como orador, com fingimento e comercialização da palavra, abrindo perigoso precedente em nosso movimento ingênuo e desprevenido; conduta mediúnica perigosa, reduzindo a psicografia a pastiche e plágio – e reduzindo a mediunidade a campo de fraudes e interferências (caso Nancy); conduta condenável no terreno da caridade, transformando-a em disfarce para a sustentação das posições anteriores, meio de defesa para a sua carreira sombria no meio espírita.

Você acha, Agnelo, que Emmanuel advertiria o Chico sem motivo? Que o Chico se recusaria a receber o Divaldo e escreveria uma carta como aquela ao Jô por despeito ou ciúme mediúnico? Você acredita que o Chico esteja obsedado e que o Divaldo seja uma vítima inocente? Que todas as trapaças do Divaldo sejam bênçãos do Céu para o nosso movimento? Que seja nossa obrigação acobertar e bater palmas a companheiros que têm esse procedimento, relatado acima apenas em parte?

Ainda hei de lhe contar um dia, pessoalmente, a trama que tive de ajudar alguns amigos a desfazer – uma trama maquiavélica, de tipo medieval, para pôr um “fim feliz” ao caso Chico-Divaldo, deixando o Chico na condição de ciumento e o outro na condição de vítima inocente.

Temos de ser, meu caro, mansos como as pombas, mas prudentes como as serpentes. Quem o disse foi o Cristo, que deve entender do assunto. E Kardec adverte, em “O Livro dos Espíritos”, Kardec e os Espíritos, que é obrigação dos homens de bem desmascarar os falsos profetas. Obrigação, veja bem, obrigação! Por isso não recuo diante (embora não me considere tão “de bem” assim…) diante dos casos de Divaldo, Hercílio Maes e Ramatis, Roustaing e FEB. Não será com a minha conivência que o joio sufocará o trigo da seara. Isso tem me custado caro, muito caro: mas Deus me tem ajudado a suportar o ônus. 

Sua carta é muito engraçada em certo sentido. Para defender o Divaldo você critica a minha posição em referência a três médiuns. Um é o Urbano, de quem você diz “o discutido Urbano”. Confesso que isso me surpreende. Soube, ainda em vida do Urbano, de um caso entre ele e o Russo, aí em Franca, que aliás me pareceu sem sentido. Fora disso, o que sempre vi foram demonstrações de confiança na mediunidade de Urbano, mesmo de parte daqueles que condenavam seu temperamento às vezes violento – pois a mediunidade é uma coisa e o temperamento é outra. Minha experiência de muitos anos com Urbano foi das mais felizes. Ainda não encontrei outro médium de tanta sensibilidade e que tantas provas me desse da sua legitimidade. E você deve saber que essa foi também a opinião do Schutel, do Leão Pita, do Baptista Pereira, do Odilon Negrão, do Wandick de Freitas, do Parigot de Sousa e tantos outros. Nunca o Urbano serviu de instrumento para mistificações conscientes ou para desvirtuamentos doutrinários. Tenho por ele o respeito que merecem os verdadeiros médiuns.

No caso Arigó, você diz que eu o defendi mesmo depois da sua queda. E como não fazê-lo? Ainda há pouco enviei a Matão uma entrevista, pedida pelo Jô, em que explico algo do assunto. Arigó, realmente, nos últimos tempos, deixou-se levar pelos interesses materiais, empolgou-se pelas possibilidades que se abriam diante dele, mas esteve longe de praticar os atos indígnos que lhe atribuíram os adversários. 

Esteve em grande perigo, mas a culpa foi mais dos espíritas do que dele. Era um homem rude, semialfabetizado, vivendo num burgo medieval dominado pelo clero. As instituições espíritas em geral só se interessaram pelos resultados positivos do seu trabalho, mas não lhe deram apoio. As Federações fizeram como Pilatos: lavaram as mãos na bacia de César. Em Marília, num congresso de jovens, a FEB proibiu que fosse votada uma moção a favor dele (que estava preso em Lafaiete), mas autorizou a votação de uma moção em favor da construção da sua sede em Brasília… Isso, sim, é que é dois pesos e duas medidas. Até que Arigó resistiu muito, demorou bastante a entrar em deterioração, e só não acabou no desastre completo porque o Fritz já havia dito que, na hora perigosa, o levaria para lá.

A morte de Arigó o salvou na hora “h”, no dia “d”. Cabe-nos agora aproveitar o saldo positivo que ele deixou e que é imenso. Por sinal que os seus erros eram pessoais, individuais. Nunca Arigó tentou levar os seus erros pessoais ao meio espírita como prática e exemplo. Errou por falta de visão, por envolvimento do meio, por falta de apoio moral. Nunca tivemos, porém, no campo da intervenção cirúrgica espiritual mediunidade maior. E não seríamos nós, agora que ele se foi, que o seu caso já se encerrou, não seríamos nós que iríamos desmoralizá-lo. A mediunidade é uma coisa e o médium é outra. Mas para os jejunos no assunto as duas coisas se misturam. Acusar Arigó depois de morto, por deslizes que não chegaram a comprometer a sua mediunidade, seria dar armas aos adversários e às Trevas. Além disso, na enxurrada de mentiras e calúnias lançadas contra ele há muita incompreensão espírita. O que nos interessa em Arigó é a espantosa mediunidade que enriqueceu o patrimônio das realidades espíritas na Terra. Você queria que eu o acusasse? 

No caso do Rizzini não há também intenção malévola alguma. Rizzini é médium e bom médium. Conheço-o há tempos e já tive boas experiências com ele. Se você acha que a sua atual produção psicográfica deixa a desejar, isso não me parece motivo suficiente para que eu o ataque ou desencoraje. Rizzini está se iniciando nesse campo novo e já produziu muita coisa boa, quase excelente. Não é um fingido nem um trapaceiro, mas um espírita corajoso e que deu mostras de sua fidelidade à doutrina nas horas difíceis, quando muita gente boa se encolheu, se fechou em copas. Ele é sincero, franco, leal – e às vezes até agressivo, mas dessa agressividade que caracteriza os espíritos corajosos. Não há a menor possibilidade de compará-lo ao perigo que Divaldo representa em nosso movimento. Entre Rizzini e Divaldo há o abismo da impostura.

Perdoe-e, caro Agnelo, se acaso usei de algumas frases ou expressões que poderão impressioná-lo. Escrevo-lhe de coração aberto, de irmão para irmão, tratando de assuntos que exigem clareza, posições definidas. A hora é de transição, de confusões, e devemos manter nossa posição com segurança. Não me seria possível calar nem desconversar diante da sua “provocação”. Aqui vai a resposta, caboclo velho, o tiro de trabuco desfechado na testa, como convém quando o tocaieiro escondido na moita ameaça a caravana desprevenida.

Não me queira mal. Nem me interprete mal. Divaldo me interessa como criatura humana, como nosso irmão, pelo qual devemos orar, pedir a Deus que o livre de maior envolvimento das trevas. Estou pronto para recebê-lo para o cafezinho, principalmente na sua companhia, mas sem que você ou ele alimente a vã esperança de me arredar da posição assumida. Como você viu acima, meus motivos são fortes demais, são de rocha. 

Perdoe-me se magoei a sua sensibilidade, principalmente nesse campo tão melindroso da afetividade. Com a qual Divaldo e outros da mesma linha costumam jogar com habilidade. Não trapaceio com o coração, com o sentimento. Louvo o seu interesse fraterno pelo Divaldo – ele necessita disso, e muito. Mas entendo que o Chico também precisa da nossa fidelidade, do nosso amor, da nossa gratidão. Ele não tomaria a atitude que tomou no caso por simples leviandade. Chico é uma personalidade espiritual formada no cadinho da dor, do sacrifício. Os seus guias espirituais são bastante conhecidos de nós todos. Que direito temos nós de rejeitar a sua advertência num caso como esse? Então ele só nos serviria quando fala em coisas que nos agradam?

Recomende-me ao Novelino, a d. Aparecida, aos seus familiares e aos amigos francanos. E não se esqueça, meu caro, de que estou escrevendo francamente para um francano…

Um grande e sincero abraço do:

HERCULANO

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